A UNIDADE DE TRANSPLANTE DE FÍGADO

Texto de Erin Stone
Fotografia de Ariel Subira
Vídeo de Lucas Andrade

 

Às 8 da manhã Jorge Martins de Aguilar é acordado em sua em Duque de Caxias por uma ligação sobre um fígado. O fígado com o qual ele nasceu está morrendo, inchado e coberto de cicatrizes por causa da cirrose. Mas hoje um fígado que funciona ficou disponível - e é compatível.

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No mesmo momento, a mais 40 quilômetros, na Tijuca, Rio de Janeiro, uma equipe de 2 cirugiões já está a caminho do corpo do homem cuja morte cerebral foi declarada e tem um fígado em pleno funcionamento - o primeiro passo para um típico processo de 16 horas de preparação para a cirurgia, o transplante propriamente dito, e o pós-operatório. O centro médico é notificado para que possa se preparar para a chegada do paciente e assim estão 2 anestesistas e 3 cirurgioes. Primeiramente, eles devem receber um “ok” do cirurgião responsável pela remoção do fígado doado. Quando - e se - ele disse que o fígado está bom para o transplante, todos devem estar prontos para começar o procedimento imediatamente. Mas por enquanto, eles esperam.

Assim, é só mais um dia para os profissionais médicos que trabalham do Hospital São Francisco. Duas estátuas, uma de mármore brilhante de Maria Mãe de Deus, saudam na entrada do prédio alto e branco que é a entrada principal do hospital. O campus do São Francisco é único, mas grande, e brilha neste dia ensolarado, as montanhas que dão lugar à favela Tijuquinha se inclinam sobre ele, ainda nebuloso com a neblina matinal. Uma freira, também camuflada de branco, caminha lentamente em direção à entrada, prendendo levemente as suas mãos à frente de seu corpo, talvez indo visitar pacientes. Empregadas empurram pacientes pelos longos corredores, o que parece tão celestial quanto a suave luz da manhã atravessando as grandes janelas, iluminando os médicos em seus jalecos brancos, fazendo as roupas azuis dos cirurgiões, enfermeiras e empregados brilharem. O centro cirúrgico é um dos prédios que rodeiam o pátio exuberante, com palmeiras e outras plantas tropicais. O barulho de pássaros e pessoas conversando ecoa por todo o pátio. No nível superior, admirando essa vista, onde está a cafeteria e a recepção principal, tem lugar a igreja do hospital - uma mulher faz o sinal da cruz quando passa por ela. É surreal, divina. São Francisco é realmente um lugar bonito - e o maior hospital público no Rio

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Às 11 da manhã, o novo fígado de Jorge já chegou no hospital e um cirurgião o examina para ter certeza que será, de fato, compatível. O hospital agora está bastante movimentado. Pacientes aguardam suas consultas, sentados no chão ou nos finos bancos brancos ao redor das paredes. Frequentemente, eles esperam por horas, fazendo com que uma simples consulta médica se torne um compromisso do dia inteiro. O SUS (Sistema Único de Saúde) brasileiro pode ser devagar, mas funciona. Desde que a Constituição Brasileira declarou que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado, em 1988, o sistema público de saúde cresce massivamente, servindo mais de 75% de uma população que gira em torno de 200 milhões de pessoas. Antes da Constituição, metade do Brasil não tinha nenhuma assistência de saúde.

A ideía é boa, mas o sistema brasileiro de saúde púbica não conta com profissionais suficientes uma vez que o sistema privado atrai mais profissionais médicos com melhores salários e horários. Mas o Hospital São Francisco é um dos sortudos: tem mais médicos do que a média das clínicas e atrai profissionais que tem paixão e energia para o que fazem - como aqueles que vão fazer o transplante de Jorge.

Do lado de fora do centro cirúrgico, os três cirugiões e anestesista, todos jovens, brincam e conversam de pé, aproveitando o ar fresco antes de entrarem para se preparar para o transplante de Jorge - só a cirurgia normalmente pode durar de 8 a 10 horas. Para um observador, a sua maneira relaxada torna difícil acreditar que estão prestes a realizar uma cirurgia capaz de mudar a vida de alguém. Mas essa é a sua rotina - eles costumam fazer de 2 a 3 transplantes de fígado por semana.

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No prédio do outro lado do pátio principal onde estão os jovens cirurgioões, Jorge está sentado, quieto, em um pequeno quarto, quarto 309, respondendo a perguntas ocasionais da enfermeira. Ele fala rápido e parece envergonhado e nervoso, ainda que mantenha um sorriso simpático. Sua voz é aguda e dura, as vezes assobiando pelo espaço entre seus dentes da frente. Jorge é um homem pequeno, com membros e rosto magros, que não combinam com sua barriga d’agua, que sobressai talvez um pé e meio - seu centro inchado e redondo, fazendo com que o uniforme listrado de branco e azul dos pacientes se estique sobre ela como uma casa coberta com tenda para o extermínio de cupins. Hepatite C, todavia, não pode ser curada com o transplante de fígado. Ele somente afasta um pouco o desgate do fígado por um pouco mais de tempo. Mas a cirrose de Jorge é o resultado de uma doença diferente - alcoolismo - o que o separa da maioria dos pacientes de transplante de fígado, cujo fígado foi destruído pela Hepatite C e/ou outras formas de Hepatite.

Quando chega a hora, Jorge se coloca sobre a maca, deitando cuidadosamente de barriga para cima, fazendo-a parecer um balão de carnaval. A enfermeira empurra a maca pelo hall, em direção ao centro cirúrgico. Meio-dia se tornou 4 da tarde e a autorização do fígado finalmente saiu. A luz é dourada, iluminando as partículas do ar em feixe de luz pelo qual Jorge passa. Os cliques da maca e os suaves passos da enfermeira ecoam pelo hall. Passando debaixo de um crucifixo, eles chegam a uma grossa porta de metal que balança e se abre lentamente, empurrada por duas enfermeiras em uniformes azuis, com redes para o cabelo e mascaras cobrindo seus rostos. Jorge está olhando para o teto, sem fazer muito contato visual com ninguem. As portas fecham atras dele.

Uma hora depois, Jorge é anestesiado e somente a sua barriga distendida pode ser vista saindo do lençol azul que cobre a parte inferior de seu corpo, seu peito e seu rosto. Na sala ao lado, dois médicos preparam o fígado saudável. Usando ferramentas finas de metal, eles o dissecam e preparam, como se estivessem cortando gordura de frango. Eles identificam as artérias e veias que precisarão ser costuradas nas artérias e veias do corpo de Jorge, e as “veias portais” pelas quais passam uma solução resfriadora para preservar o fígado doado. Eles inserem tubos, cordas e ganchos nos devidos lugares. O fígado é surpreendentemente grande - é o maior órgão do corpo humano e tem, aproximadamente, 13% do sangue de uma pessoa em qualquer momento. Este, um exemplo de fígado saudável, é incrivelmente suave, de um vermelho acinzentado como as asas de uma raia marinha.  

A sala de cirurgia está silenciosa, exceto pelo zumbido das máquinhas e a conversa dos médicos, que parecem ser dois estudantes que se debruçam sobre o dever de casa de biologia ou jovens garotos inspecionando alguma criatura curiosa que encontraram na praia. Há um cheiro suave de borraca e produtos químicos no ar, não tão pungente quanto você acreditaria ser o cheiro de um fígado. Um dos médicos solta um longo pedaço de gordura. Ela de solta do gancho, fazendo o barulho de um tapa, como uma tira de borracha. Ele o pega novamente com o gancho e ambos os médicos riem.

Na outra sala, onde Joge está dormindo, o cirurgião chefe, Dr. Reinaldo Fernandes, começou a cortar a barriga de Jorge com um laser. O cheiro é como o de plástico novo e formol. Um cirugião separa a pele, enquanto Reinaldo trabalha. Há um total de 7 profissionais ao redor de Jorge: 2 anestesistas, 3 cirurgiões e 2 enfermeiras. Todos conversam entre eles. Reinaldo queima as camadas da pele, uma enfermeira passa ferramente para o cirurgião, os anestesistas ajustam os níveis da anestesia e proteína injetada no corpo de Jorge. Para um observador, é, de alguma forma, difícil se lembrar que se trata de um corpo humano vivo e respirando sendo queimado e fatiado literalmente até o centro. Todavia, esse é um pensamento constante nas mentes dos jovens homens e mulheres na sala, mas não um pensamento que os sobrecarrega. Eles nunca esquecem que estão operando uma pessoal real e isso é parte da euforia e do significado do seu trabalho - para não mencionar o fato de que isso nunca “deixa de ser legal”, como diz um anestesista.

Ainda assim, a leveza e a conversa na sala parecem estranhas quando comparadas com os verdadeiros atos deste estágio da cirurgia. Um dos cirurgiões suga o fluido da barriga através de um tubo. É um pouco enojante: o laser queimando e o tubo sugando, ao mesmo tempo. É extremamente violento, o quão profundo eles cortam o corpo. Mas talvez, um pouco como soldados que experimentaram as cenas horríveis de uma guerra, o humor se tornou uma distração necessária e uma resposta normal para visões tão sangrentas - na verdade, isso mantem a sua habilidade de permanecer calmo e fazer o seu trabalho da melhor forma possível. Um total de 11 litros de fluido é eventualmente sugado da barriga de Jorge. Normalmente, a quantidade é de 7 litros.

Eles prendem a pele de Jorge, esticando-a ao redor de ganchos que manterão a carne da barriga fora do caminho. Todas as camadas de pele estão visíveis agora: a derme vermelha e rosa, a gordura amarela e um tecido conector entre elas, grosso e rugoso. A caverna que se abriu no corpo de Jorge revela o seu coração, batendo através da parede do seu diafragma, o seu baço subindo e descendo sempre suavemente com a sua respiração. Reinaldo e os outros cirurgiões não se esquivam do seu trabalho. As mãos da enfermeira que os assiste se move rapida e constantemente, colocando cada ferramenta em suas mãos habilmente, sem que eles sequer tenham que virar a cabeça. Todos os três agora estão em silêncio enquanto se aprofundam no corpo de Jorge, se movendo de acordo com o ritmo natural da respiração de Jorge.

Dr. Renato, um dos anestesistas, diz que Jorge tem um grande risco de hemorragia e síndrome de reperfusão, duas mais complicações mais comuns durante um transplante de fígado, por causa do seu histórico - a doença de Jorge o deixou com uma pontuação MELD de 16, uma pontuação alta, mas também baixa o suficiente para que ele tenha uma chance melhor de sobreviver à cirurgia e viver o bastante após o transplante para que ele tenha valido a pena, ainda que outros pacientes tenham casos ainda mais agudos de cirrose. Jorge tem 51 anos e seu doador tinha 40 no momento da sua morte - as únicas inormações que os cirurgiões recebem sobre o doador é a sua idade, sexo e que a sua morte cerebral foi declarada no dia anterior em razão de um traumatismo craniano. Eles sequer sabem o nome do doador - não há informação para diferenciá-lo de qualquer outro doador, cujo perfil típico é algo parecido, morte por traumatismo craniano ou aneurisma cerebral. Todo dia e toda noite, todos os 7 dias da semana, uma equipe procura por fígados via um mapeador online de doadores e as vezes indo pessoalmente a várias UTIs à procura de pacientes que podem morrer cerebralmente em breve - é uma trabalho pesado. Os cirurgiões, por outro lado, não fazem parte desta busca. Eticamente, eles não são autorizados a fazê-lo. O seu trabalho é somente o de desconstruir o corpo, inserir o novo fígado e reconstituir o corpo.

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Depois de algum tempo, o fígado de Jorge é revelado. Este órgão parece particularmente pouco saudável: tem uma coloração roxo escuro e aspecto granuloso, parece doente e mofado. A cirrose tomou conta do tecido saudável do fígado, substituindo-o por um tecido com cicatrizes. As células do fígado, bloqueadas pelo tecido conectivo criado pelo fígado numa tentativa inicial de se curar (o primeiro estágio das cicatrizes), não conseguem mais cumprir a sua função: carregar bile do fígado para o intestino onde é descartada. Ainda que a cirrose de Jorge seja causada pelo abuso do alcool, o dano causado ao fígado pela Hepatite C é o mesmo. O vírus da Hepatite C invade a corrente sanguinea, substituindo as células hepáticas lentamente e sorrateiramente até que o fígado se torne cirrótico - coberto de cicatrizes. Esse processo pode ocorrer silenciosamente durante o tempo de uma vida, razão pela qual tantos pacientes de Hepatite C não sabem que tem a doença até que já tenham cirrose.

Como o represamento de um rio, a cirrose entope a passagem do sangue através do fígado, forçando as células do órgão a encontrar outros canais limpos pelos quais elas possam descartar substâncias nocivas para fora da corrente sanguínea. Ao longo dos anos, o fígado cirrótico gradualmente para de funcionar, tornando impossível realizar tarefas essenciais como construir e quebrar proteínas, açúcares e gorduras que permitem que o sistema imunológico e digestivo funcionem adequadamente, bem como a eliminação de produtos desnecessários para o organismo. Sem um transplante, o fígado doente eventualmente levará à falência multipla de órgãos, matando a pessoa que ele tentava curar.

Na sala ao lado da sala de cirurgia, o novo fígado está sendo preparado. Os médicos o envolvem em uma bolsa cheia de líquido e o colocam em uma vasilha de plástico cheia de gelo. Pedaços de gordura estão esticados ao longo do tampo de metal da mesa. Eles levantam a vasilha e a colocam em um grande cooler, também cheio de gelo, conversando entre si - o seu trabalho está feito, por enquanto. eles empurram o cooler na mesa para fora da sala, no corredor, em direção ao lugar onde o fígado doente de Jorge continua em seu corpo. Eles poderiam facilmente estar indo a um piquenique quando na verdade estão entregando um figado para salvar, ou melhor estender, a vida de Jorge.

Pouco tempo depois das 7 da noite, Dr. Lucio Pacheco chega na sala de cirurgia. Ele é o Chefe, cirurgião chefe de transplante de fígado e diretor de uma equipe de 30 pessoas (11 cirurigões, 10 anestesistas, 8 hepatologistas e um infectologista) no São Francisco. “ Boa noite, boa noite” ele balança a cabeça para todos na sala, cumprimentando-os pelo nome. Os três cirurgiões estão agora ao redor de Jorge e abrem espaço para Dr. Lucio sentar e inspecionar o trabalho feito até então. Ele chegou porque está quase na hora de fazer a troca - fígado doente pelo saudável.

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Quando finalmente chega a hora, um cheiro azedo fica no ar enquanto os cirurgiões colocam suas mãos dentro do corpo, puxando o fígado enquanto cuidadosamente queimam o seu entorno com um laser, o que faz um vapor branco subir enquanto eles separam o fígado dos órgãos e estruturas ao seu redor. As artérias e veias maiores foram grampeadas para evitar que o sangue continuasse a fluir para o fígado doente. O cheiro fica cada vez mais forte. como borracha queimando e formol. Logo, eles puxam o fígado para fora em um movimento rápido e surge um som de ar escapando. Eles colocam o fígado doente em uma bandeja de metal. A frequencia cardíaca de Jorge aumenta, e é possível ver o seu coração batendo contra o diafragma ainda mais claramente, agora que o fígado saiu. Neste momento, os anestesistas estão essencialmente mantendo Jorge vivo, ajustando seus níveis e injetando mais proteína líquida. Dr. Renato confere ou ajusta os monitores a cada poucos minutos, olhos interessados e alertas. Ele se sente como um piloto em uma nave espacial, navegandopela conciência e funções corporais de Jorge. Um EKG mostra a atividade elétrica do coração de Jorge. Linhas e bipes em uma tela representam sua artéria pulmonar, pessão venal central, níveis de oxigênio, níveis de capnografia e o seu nível de consciência - literalmente o número ajustável em uma escala de 0-100, 100 sendo nenhuma atividade elétrica no cérebro. O nível normal de consciência durante uma cirurgia é entre 42 e 60 e Jorge permanece próximo de 60. Eles monitoram o percentual de saturação do oxigêncio em seu sangue da artéria pulmonar (SVO2), sua saída cardíaca, coagulação sanguinea - quase todo e cada processo necessário para um corpo humano em funcionamento. Eles tem somente uma quantidade limitada de tempo para completar a troca e conectar o novo fígado às artérias e veias de Jorge -  no máximo algumas horas. O coração de Jorge bate com força. Os três cirurgiões colocam o fígado saudável na cavidade vazia juntos, suas luvas cheias de sangue o embalam gentilmente “Beleza, beleza”, murmura Reinaldo.

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O fígado velho está numa bandeja em outra sala. Ele costumava estar no corpo de Jorge e agora está em uma bandeja. É uma coisa escura e morta.

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Um dos cirurgiões sai da sala para uma pausa, coçando os olhos. Agora é a hora da parte mais difícil - costurar o fígado saudável dentro do corpo, artéria por artéria, veia por veia. Por volta de 11 da noite, a sala está quase em silêncio. Tudo o que pode ser ouvido é o bipe dos monitores e a batida firme do coração de Jorge. De tempos em tempos, Reinaldo deixa escapar um grande suspiro e se alonga. Depois ele retorna a costurar cuidadosamente. O novo fígado se torna mais vermelho conforme é costurado no corpo de Jorge e o sangue começa a fluir por ele. Seu interior parece novo em folha, bonito e bilhante.

O tempo passa. O trabalho continua. Os anestesistas espiam sobre a lona ocasionalmente para observar o progresso. Periodicamente as enfermeiras e anestesistas saem e entram da sala, frequentemente se cumprimentando com um toque de mão quando retornam. Suas mochilas estão alinhadas na parede, Os anestesistas e uma enfermeira folheiam excitados em uma revista sobre bicicletas e fazem piadas, conversando enquanto enchem uma seringa.

Depois de uma hora e meia, chega a parte fácil: corturar a barriga de Jorge de volta. As mãos do cirugião de movem rapidamente, a enfermeira corta os pontos em sincronia com eles. É como tricotar. As abas de pele voltam para o seu lugar, até ganharem a forma de uma barriga. Os cirurgiões voltam a conversam. O último ponto é feito às meia noite e quarenta e cinco. Com o ponto final, a anestesia de Jorge está somente começando a ir embora. O seu nível de conciência pode ser facilmente visto: a sua cabeça de move para frente e para trás a 40, seus olhos abrem e fecham a 32. Os anestesistas tiram o tecido de seu rosto e abrem seus braços - como o Jesus na Cruz pendurado pelo hospital. Jorge abre seus olhos e solta um gemido. Os cirurgiões tiram os tubos da sua boca e ele deixa escapar um “ desgraçado horrível”, abrindo e fechando seu pulso esquerdo. Seus olhos completamente abertos, ele arqueia as costas vomitando, dizendo várias vezes “eu quero morrer, deixe-me morrer. Estou sentindo dor em todo meu corpo, deixe-me morrer”. Os cirurgiões simplesmente conserversam entre si - aparentemente esta é uma reação normal para pacientes que acabam de acordar da anestesia depois de uma grande cirurgia. Eles são calmos e gentis ao mover Jorge da mesa de operação para uma maca. Ele continua a pedir “ deixe-me morrer, deixei-me morrer” balançando a cabeça para frente e para trás, boca aberta enquanto ele arqueia as costas, gemendo roucamente. A sua voz ecoa suavemente pelo corredor enquanto ele é conduzido para a unidade de tratamento intensivo.

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A sala de pós operatório é fria e quieta. Todos os pacientes estão dormindo. São aproximadamente 1 e meia da manhã. Uma freira, que se chama de Irma, passa pelo corredor, parando no quarto de cada pacietne. Ele vive no hospital, passando as noites rezando pelo pacientes. Agora, Jorge se acalmou e o enfermeiro o move da maca para a cama. Neste momento, a freira Irma faz o sinal da cruz, sussurando uma prece, enquanto o enfermeiro fecha, vagarosamente, a porta atrás dele. Jorge ficará 5 dias na UTI, onde tomará remédios para evitar que seu corpo rejeite seu novo fígado, para manter o sistema imunológico calmo depois de uma cirurgia tão invasiva. Depois, ele ficará no hospital mais um mês para que a sua recuperação possa ser monitorada de perto pela equipe do hospital. Ele irá a reuniões para alcoolatras e será colocado em um regime de recuperação depois de receber alta. Os médicos e enfermeiros fizeram tudo o que podem, mas ao fim, a doença, seja o alcoolismo ou a Hepatite C, será a última a decidir se o novo fígado será ou não relevante para melhorar ou prolongar a qualidade de vida do paciente.